28 Julho 2022
"A sinodalidade não coloca uns contra os outros, mas convoca ambos os lados a fazerem juntos, onde as razões alheias não só têm o direito de existir, mas também de serem compreendidas e adequadamente aceitas na própria prática sinodal. Nisso, a sinodalidade é uma prática de respeito, primeiro, e depois de reconciliação. Qualquer pretensão de hegemonia, seja de que orientação for, a nega em sua raiz e a torna impossível", escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado em Settimana News, 27-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Talvez estejamos começando a perceber que o caminho eclesial e comunitário de sinodalidade, que o Papa Francisco nos pediu para realizar, representa realmente algo inédito, onde as referências e experiências que temos à disposição são insuficientes para delinear a arquitetura básica: tanto aquelas que podemos extrair da doutrina sobre a Igreja, quanto aquelas que nos chegam da doutrina sobre a democracia.
E, no entanto, não podemos escapar ao sentimento de que a sinodalidade invocada por Francisco seja hoje a urgência que nos desafia diante do destino tanto da Igreja quanto do melhor que a tradição democrática da civilização ocidental soube criar.
A sinodalidade é uma prática sui generis, muito antes de se tornar uma teoria da forma da Igreja Católica e uma sugestão para a crise da democracia ocidental. De fato, não se trata de uma expansão benevolente (e paternalista) da colegialidade episcopal, que se coloca na escuta da fé como experiência cristã concreta (exceto para depois continuar a fazer sozinha); nem uma simples mimese da democracia representativa com suas instituições de apoio.
Isso não impede que a sinodalidade possa captar indicações para seu próprio desenvolvimento tanto no princípio hierárquico eclesial quanto no princípio democrático secular; mas sempre se tratará de apropriações vinculadas ao contexto em que a sinodalidade é efetivamente praticada.
Nisso, a sinodalidade é um bom antídoto contra a hegemonia: das Igrejas ocidentais sobre aquelas encarnadas em outras tradições culturais e sociais; dos católicos tradicionalistas prontos para declarar hereges todos aqueles que não pensam como eles; daqueles que pensam que a democratização da Igreja seja a única salvação, sem levar em conta que o sistema democrático majoritário pode se transformar sozinho em absolutismo iliberal quando isso for do interesse da maioria (e que os mecanismos do estado de direito são frágeis sem uma cultura generalizada de sua custódia civil).
A sinodalidade não coloca uns contra os outros, mas convoca ambos os lados a fazerem juntos, onde as razões alheias não só têm o direito de existir, mas também de serem compreendidas e adequadamente aceitas na própria prática sinodal. Nisso, a sinodalidade é uma prática de respeito, primeiro, e depois de reconciliação. Qualquer pretensão de hegemonia, seja de que orientação for, a nega em sua raiz e a torna impossível.
As resistências explícitas ao ministério petrino de Francisco, de ambos os lados, são, em minha opinião, resistências ao processo de reconciliação sinodal dos muitos catolicismos que habitam a Igreja do Senhor (como era desde as origens, afinal). E, talvez, ainda não tenhamos compreendido plenamente que a sinodalidade desejada por Francisco é, em primeiro lugar, uma prática de reconciliação na Igreja: do ministério ordenado com os leigos, do episcopado com o povo de Deus, do bispo de Roma com as outras Igrejas locais, de vida religiosa com comunidades as diocesanas, etc.
A sinodalidade não significa nem homologação das diferenças em um todo amorfo, nem um indulto geral que não distingue o certo do errado; mas é, em todo caso, a afirmação de uma vontade determinada a nunca querer ficar sem o outro, seja ele quem for, seja qual for o seu sentimento eclesial.
Hoje em dia, na Igreja Católica e no mundo contemporâneo, a sinodalidade é como um bebê no berço: sem o cuidado de todos ao seu redor, morre. E com ele morre o princípio evangélico de uma reconciliação mútua dos muitos irmãos e irmãs do Senhor.
Deve ser tratada com cuidado, mas sem ciúmes de colocá-la também em mãos que não são nossas. Se apenas nós pretendemos desmamá-la, nós a rebaixaríamos com nosso narcisismo.
O manual do cristão sinodal ainda não existe e, mesmo que existisse, seria de pouca utilidade, porque sempre renasce em sua prática concreta. Por isso, diante da sinodalidade a ser feita, somos todos aprendizes – e, talvez, essa sensação de desorientação diante do inédito ao qual devemos dar forma poderia nos unir pelo menos um pouco.
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Sinodalidade: todos somos aprendizes. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU